Rio Araguari

O fim da pororoca

Serginho Laus explica os acontecimentos que prejudicaram a formação da pororoca do Rio Araguari (AP)

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Depois de 13 anos explorando e criando uma história no Brasil e no mundo junto à pororoca do Rio Araguari (AP), entramos num período de luto e indignação devido às mudanças que ocorreram no ecossistema da região. Mas, para entender o porquê disso tudo, temos que voltar algumas décadas no passado para juntar todas as peças desse quebra-cabeça. 

Antes mesmo de sonharmos em surfar ondas extremamente longas e radicais, cientistas e repórteres de grandes emissoras já procuravam desvendar os mistérios da famosa “Pororoca”, nome dado à onda de maré que acontece na Amazônia. Lendas como Jean Jacque Costeau e Amauri Neto “O Reporter” apresentavam imagens e depoimentos de uma onda sem fim, que mais se parecia com um “Tsunami”. Nessa época o problema com o Araguari já tinha sido iniciado. 

Sem saber do impacto ambiental que causaria na região, fazendeiros criavam centenas e milhares de búfalos, que foram se reproduzindo e crescendo de forma desordenada nas margens do Araguari. Ecologistas já alertavam sobre o problema de ter uma criação desordenada e desenfreada, mas como são chamados, os “EcoChatos” foram ignorados pela ganância do capitalismo selvagem e o processo para a morte da pororoca foi iniciado.

Os búfalos caminham em manadas, enfileirados, pisando num solo úmido (lama), vão criando caminhos que, quando a maré sobe e abaixa, a corrente de água vai ajudando a criar valas, que ao longos de muitos invernos foram ganhando forma, surgindo novos igarapés e, hoje em dia, rios!

Mas o que tem a ver os búfalos com a morte da foz do Rio Araguari?

Não somente os búfalos estão envolvidos, como também as hidroelétricas da cidade de Ferreira Gomes e Porto Grande, que represam um grande volume de água na nascente do Rio Araguari, que sofreu com uma diferença de pressão de água e correntes ao longo de toda a extensão de um rio que já formou divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa.

A soma das hidroelétricas, mais os búfalos, fez com que a Natureza começasse a mudar e se readaptar a um novo rumo. Enquanto isso, a pororoca não parava de funcionar! Toda lua cheia e lua nova, grandes e extensas ondas quebravam sozinhas e muitas vezes apenas para poucos amigos que desfrutavam de cada segundo daquela aventura que muda a vida de qualquer ser humano. Fato que faz pensar por que não desfrutamos mais daquele paraíso. 

De 2012 pra cá, os sinais de mudanças foram mais agressivos. A melhor pororoca do mundo foi perdendo força e o Rio Araguari cada vez mais assoreado, fica a cada lua mais raso. Os canais foram sumindo, as lanchas já tinham grande dificuldade de navegação na maré seca, e quando a onda surgia deixava a atividade cada vez mais arriscada e perigosa. 

E em junho de 2013, gravei o programa “Waterman”, do meu amigo Kauli Seadi, já em condições finais. Foi a última expedição de surf e exploração da pororoca do Rio Araguari, pois depois, no verão de 2013, a foz do rio secou. E o que era um mar de água doce, virou um mar de lama. E que no ano de 2015, virou um terreno imenso com mato!

O lugar onde quebravam ondas de 3 a 4 metros de altura, onde embarcações naufragavam, surfistas ficavam com a adrenalina a mil, onde poucos tinham o conhecimento e coragem de passar nos períodos de lua grande, acabou numa área onde tratores trafegam preparando o terreno para mais búfalos.

Com essa mudança, perdi o meu pico favorito. Minha onda predileta acabou, e com isso o sonho de milhares de surfistas que almejavam encarar as paredes mais perfeitas, extensas e desafiadoras de suas vidas. Falo isso, pois o Rio Araguari oferecia condições extremamente boas e que agora não tem nenhum pico de pororoca no Brasil que chegue a 50% do que tínhamos ali antes.

Fui obrigado a me mudar e procurar novas ondas, mas isso é assunto para a próxima reportagem. 

Muita história acabou enterrada naquela lama, muitos ribeirinhos tiveram e viveram sonhos surreais nesse período, mas isso fica perpetuado em nossas memórias que em breve irão virar filme. E aqui fica o registro do que foi e do que ficou do Hawaii das pororocas.

Agradeço muito todos os ribeirinhos que fizeram parte dessa história e a todos que acreditaram nesse trabalho.

Muito grato a Goofy, Hot Buttered, G-Shock, Bullys, Power Light Surfboards e a Sumatra Surf.  

Longas ondas e rumo à próxima pororoca.

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